domingo, 14 de abril de 2019

violência psicológica também é violência doméstica



Quem é que nunca pensou ou pensa que violência doméstica é só agressões físicas?
Aconteceu comigo e eu sempre desvalorizei.
Achava que tinha discussões "normais" de casais até que chegou este ano e tive de contar a várias entidades, de diferentes áreas profissionais, como era a minha relação e o que me respondiam era sempre o mesmo:
- Você sabia que tinha uma relação conturbada?
ou
- Você sabia que é assim que começam os casos de violência doméstica?
Não, obviamente que não sabia. Era uma das muitas pessoas que pensava que violência doméstica se baseava apenas em agressões físicas e punha de parte o factor psicológico. Fui ver ao site da APAV os diferentes tipos de violência e houve dois com que me identifiquei, houve dois que fizeram parte da minha vida sem eu nunca dar conta.

"violência emocional: qualquer comportamento do(a) companheiro(a) que visa fazer o outro sentir medo ou inútil. Usualmente inclui comportamentos como: ameaçar os filhos; magoar os animais de estimação; humilhar o outro na presença de amigos, familiares ou em público, entre outros."

violência financeira: qualquer comportamento que intente controlar o dinheiro do(a) companheiro(a) sem que este o deseje. Alguns destes comportamentos podem ser: controlar o ordenado do outro; recusar dar dinheiro ao outro ou forçá-lo a justificar qualquer gasto; ameaçar retirar o apoio financeiro como forma de controlo."

No inicio da relação era tudo fantástico. Apoiava-me e incentivava-me a seguir e a lutar pela minha área profissional, havia intimidade, fui viver com ele pouco tempo depois de começarmos a namorar, passeávamos, conversávamos, tudo o que um casal faz. Mas, com o passar do tempo (e não foi preciso passar tanto tempo assim) as discussões iam aumentando por diversos motivos. Tínhamos alguma diferença de idade, 13 anos para ser precisa.
As primeiras discussões que tivemos foi por causa de (adivinhem só!)...? Mulheres! Típico, não é? Sim, descobri que ele falava com ex-namoradas, conversas que não se deveria ter quando uma pessoa é comprometida e gosta da outra. Eu própria li com os meus olhos e, depois de o confrontar ele desmentia tudo. Chamava-me paranóica e afirmava que "não se devia ter metido com uma miúda mais nova". Após eu dizer que queria terminar a relação, de chorar e de me humilhar, passado alguns dias lá se lembrava de vir atrás de mim, pedia desculpa e prometia que não voltava a acontecer. Eu perdoava. E este foi o ciclo durante uns meses. Pelo menos foi o que aconteceu até eu querer deixar de procurar descobrir mais coisas.
Entre discussões sobre as tarefas domésticas e outros temas, passou-se mais algum tempo e as coisas pareciam estar mais calmas entre nós.
Eu queria muito ser mãe e ele lá concordou com a ideia. Engravidei. E, foi aí que as coisas começaram a ir novamente a baixo, como se estivéssemos a cair num buraco sem fundo. E caímos mesmo... Queria que procurasse outro emprego para complementar o que eu já fazia, o desinteresse pela gravidez e por escolher as coisas para o bebé estavam a olhos vistos, não havia ajuda nas tarefas domésticas, não havia intimidade, começou a ficar cada vez mais distante e na defensiva sempre que eu dizia alguma coisa. Chamava-me paranóica e afirmava que "não se devia ter metido com uma miúda mais nova". Após eu dizer que queria terminar a relação, de chorar e de me humilhar, passado alguns dias lá se lembrava de vir atrás de mim, pedia desculpa e prometia que não voltava a acontecer. Eu perdoava.
Depois nasceu o meu pequeno A.. E aí as coisas pioraram bastante. Ele tirou a minha licença e ficava em casa com o bebé e eu fui trabalhar, pouco mais de um mês de idade do pequeno. Eu chegava a casa depois do trabalho e não podia brincar à vontade com o bebé porque já era de noite e ele tinha de dormir. Dizia que o meu leite não era suficiente para o bebé e insistiu em darmos o leite de lata, até que fazia ele o leite e já não me deixava amamentar. Não me deixava ir acalmar o bebé quando chorava porque dizia que os bebés têm de aprender a acalmarem-se sozinhos e não os podemos mimar demais. Isso e tantas outras teorias e atitudes que me faziam sentir uma péssima mãe e que me faziam sentir como se eu tivesse limitações para com o meu filho. Culpava as minhas hormonas, chamava-me paranóica e afirmava que "não se devia ter metido com uma miúda mais nova". Após eu dizer que queria terminar a relação, de chorar e de me humilhar, passado alguns dias lá se lembrava de vir atrás de mim, pedia desculpa e prometia que não voltava a acontecer. Eu perdoava.

Dizia-me constantemente que tínhamos de ficar juntos porque o A. merecia ter os pais juntos e eu ficava. Ficava pelo meu filho, porque queria o melhor para ele. Até que o "melhor" se tornou o pior para ele e para mim. Ignorei os sinais e, quando percebi já era tarde demais...

Por isso sim, violência psicológica também é violência doméstica. 

6 comentários:

  1. Era isto que eu gostava que as pessoas percebessem. Que não existe apenas violência física, que existem muitas formas de violência que, muitas vezes, são invisíveis, e que podem causar até muito mais sofrimento às pessoas.
    Lamento muito que tenhas passado por isso. Para mim, pareceu-me claro desde o início do texto que essa era uma relação tóxica, e decerto deve ter parecido claro para as pessoas de fora, mas não tens de te culpar por isso, é difícil percebermos que estamos numa relação tóxica quando estamos dentro dela. Muita força e espero que sejas muito mais feliz agora :).
    Beijinhos
    Blog: Life of Cherry

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    1. Obrigada pelas palavras minha linda :)
      Sim, infelizmente, quem está de fora percebe muito mais rápido do que quem está por dentro da situação e, muitas vezes, quando nos apercebemos já é tarde demais. Mas as coisas vão-se recompor e espero que ao lerem a minha história possam seguir o exemplo para se livrarem de relações tóxicas.

      Beijinhos*

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  2. É uma tristeza que as pessoas ainda pensem que violência doméstica está apenas relacionada com agressões físicas. Até doeu ler este testemunho, pois essa relação pareceu-me ser mesmo tóxica. Espero que por esta altura as coisas já estejam melhores para o seu lado...

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    1. Infelizmente não estão mas sei que tudo vai melhorar e passar, mas agradeço imenso a força.
      Tenho esperança que um dia os números de violência doméstica melhorem, assim como de tantos outros assuntos.
      Beijinhos*

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  3. Já passei por isso, felizmente para mim não chegamos a viver juntos e ter filhos, mas namorar alguém 10 anos mais velho é uma enorme pressão, especialmente quando a atenção deles está focada em outros lados, nós servimos de ponto de descarga, física e psicologicamente!

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  4. Só nós é que sabemos o que passamos, e querendo sair de uma relação assim, com filhos pequenos, e sem provas do que acontece, é impossível, porque não podemos deixar os nossos filhos sozinhos com alguém assim. É aguentarmos, pelo menos até terem idade para escolher com quem viver...

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